terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Alegorias lúdicas sobre sentimentos universais

As grandes narrativas infantis consideradas clássicas, os textos que parecem crescer com o tempo e se tornam referências para diferentes gerações, apresentam não apenas um enredo favorável para o amadurecimento emocional de crianças; destacam-se, também, pela criação de vínculos afetivos com leitores adultos. É geralmente através de alegorias, histórias que podem ser interpretadas de maneiras diferentes de acordo com a idade e bagagem cultural do leitor, que clássicos se tornam memoráveis. 

A Cosac Naify lança neste mês três narrativas cuja possibilidade de compreensão é vasta. "A parte que falta encontra o Grande O", de Shel Silverstein (1930-1999) - sequência de "A parte que falta" -, lançado originalmente em 1981, parece especial pela maneira como sugere emoções reconhecíveis. O primeiro livro, publicado ano passado pela editora, é um relato sobre um ser redondo, como um Pac Man, em busca de algo que complete sua existência. Neste, a "parte que falta" do primeiro livro é a protagonista - um triângulo que procura se encaixar em algum círculo e, assim, tornar-se completa. 

Uma leitura possível é a partir das dificuldades nos relacionamentos, a busca eterna por um parceiro(a) que nunca parece corresponder a expectativas, gerando, assim, aprendizado. Silverstein cria, com sensibilidade, situações em que podemos reconhecer o processo gradual de aceitar o outro e, finalmente, amadurecer. A metáfora afetiva - e, em alguns momentos, sexual - é delicada, encarada com humor adulto. Esse parece o grande mérito do autor norte-americano: a maneira como cria situações que podem ser interpretadas de formas diferentes. 

Outros lançamentos da Cosac Naify indicam esse mesmo tipo de sensibilidade editorial. Em "O carrinho da Madame Miséria", da francesa Lise Mélinand, vemos desenhos que parecem representações impressionistas da relação de uma senhora moradora de rua com a cidade. Dependendo da intensidade da emoção, a autora transforma a realidade, coloca a Madame Miséria como uma gigante enfurecida ou uma mulher afetuosa. É uma narrativa que parece educar o olhar para perceber as gradações de cinza da região urbana, observar pessoas geralmente ignoradas pela lei. 

Já "Pelo nariz", terceira parceria entre Arthur Nestrovski, que escreveu o texto, e Marcelo Cipis, responsável pelas ilustrações (os outros livros foram "Barulho, barulhinho, barulhão" e "Cores das cores"), apresenta uma história guiada pelo olfato. Ao apresentar imagens que os leitores lembram o cheiro, como grama molhada, pão de queijo ou livro impresso, e outras que habitam apenas a imaginação e um sentido de aventura, como o odor do Abominável Homem das Neves, o autor parece fazer uma espécie de inventário da infância, catalogando as fragrâncias no instante em que são reconhecidas pela primeira vez. Trata-se de uma representação visual do processo de descoberta associado à consciência infanto-juvenil. 

Livros 
"A a Parte que Falta encontra o Grande O" (112 páginas, R$ 45), de Shel Silverstein 
"O carrinho da Madame Miséria" (32 páginas, R$ 35), de Lise Mélinand
"Pelo nariz" (48 páginas, R$ 39,90), de Arthur Nestrovski e Marcelo Cipis

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