segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Sopros de mistérios da existência


O autor catalão Enrique Vila-Matas costuma escrever histórias que compartilham uma unidade reconhecível. São enredos diferentes, protagonizados por personagens distintos, mas que investigam a mesma sensação, a ideia de que a literatura se estende de maneira difusa e afeta a realidade; a página como rastro de um movimento que segue de forma contínua. Seus principais livros apresentam alegorias que buscam no aspecto negativo (falha, morte, desaparecimento) um jeito irônico de superar traumas e compreender o ato de criação, o instante decisivo da produção literária. 

Sua obra mais recente a entrar no mercado editorial brasileiro é "Exploradores do abismo" (o lançamento original, na Espanha, foi 2007). É um livro em que Vila-Matas apresenta 19 narrativas curtas baseadas essencialmente em temas presentes em textos anteriores: o vazio, o anonimato, o desaparecimento, o erro, as trocas necessárias entre vida e literatura. Os personagens, alguns deles escritores, reais ou inventados, não fogem do escuro que os cerca, do abismo existencial, ao contrário: se jogam em busca de algum tipo de experiência ou conhecimento redentor. 

A definição "livro de contos" parece não sugerir todas as leituras possíveis; Vila-Matas apresenta fragmentos creditados a outros autores, escreve como um narrador no processo de criação, analisa escritores e livros específicos, insinuando um tipo de crítica literária através da ficção. Os livros do catalão possuem esse aspecto de que a literatura é como uma memória contínua, que permanece viva em novos autores, desenvolvendo enredos de ficção através do passado literário (foram personagens em romances anteriores do autor, entre outros, Robert Walser, Franz Kafka e Fernando Pessoa). 

O personagem-narrador que surge em alguns contos é um produto de ficção, mas seus comentários parecem oferecer alguma perspectiva sobre a obra e os bastidores do trabalho de Vila-Matas. Ele escreve, por exemplo, no conto "Das tripas coração": "Há um ano voltei a escrever contos, mas sem perceber que na verdade continuava com os hábitos de romancista. Continuava utilizando um tempo moroso, nem um pouco adequado para a narrativa breve". É uma frase que motiva certa ambiguidade em relação ao que é ferramenta de ficção ou revelação do ofício. 

Nos momentos do texto em que o termo "ficção" parece se adequar, fica evidente a fluência do texto de Vila-Matas, a maneira como o autor cria enredos, situações dramáticas e personagens complexos. Essa sensação parece forte, por exemplo, no conto "Menino", em que um pai explica a relação difícil com seu filho, detalhando ressentimentos que duram 60 anos, revelando que ele é "um falso explorador do enigma do mundo, o ser mais superficial da terra"; descrição perfeita para os personagens de Vila-Matas - falhos, em busca do entendimento de mistérios percorrendo caminhos menos óbvios. 

Serviço

"Exploradores do abismo", de Enrique Vila-Matas
Editora: Cosac Naify, 320 páginas, R$ 45

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